OGMA - AS CONTRADIÇÕES DUMA DÉCADA
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O FUTURO DA MRO NACIONAL
Embora
o orgulho nacional apele à constituição de um pólo industrial em torno das
empresas nacionais dedicadas à MRO aeronáutica, no entanto, essa opção, se
originar a sua excessiva concentração, poderá
não significar o melhor futuro para o sector.
Em
primeiro lugar há que atender ao carácter condicionante do estatuto da OGMA,
SA e que se prende com a sua obrigação institucional de apoio às FAs
portuguesas. Enquanto esta condicionante estatutária
se mantiver, a OGMA poderá encontrar algumas dificuldades em exercer, em toda a sua plenitude, a actividade de MRO em
paridade com as suas congéneres independentes. Afigura-se como
óbvio, o
dilema que sempre representará a decisão de investimento, a fim de criar
capacidade de intervenção num determinado produto aeronáutico operado pela
FAP (ou por outro ramo das FAs, militarizadas ou humanitárias), perante a
previsível e reduzida dimensão dessas frotas nacionais disponíveis para MRO.
Qualquer
investimento para criar capacidade de MRO será sempre avultado e só será
justificado perante a certeza de retorno do mesmo (numa
óptica comercial). Essa certeza só será
evidente quando equacionados a quantidade de artigos a intervencionar, o custo
de reparação previsto por artigo sujeito a MRO e o seu grau de fiabilidade.
Perante
a elevada fiabilidade e o reduzido índice de intervenção dos mais recentes
produtos, só uma significativa quantidade disponível poderá originar
receitas que garantam o retorno do capital investido. A quantidade exacta que
viabilize o projecto de investimento (o break even point) será
primordial para
uma tomada de decisão e a sua implementação.
Perante
as previsíveis e reduzidas dimensões de quaisquer frotas, para além das quais as FAs portuguesas
e organizações de serviço público não se expandirão,
parece não se prefigurar a disponibilidade de massa crítica nacional que
viabilize tais projectos de investimento, pelo que do ponto de vista meramente
comercial não
será competitivo assumi-los. Nestas circunstâncias, só as obrigações
institucionais poderão fazer prevalecer uma decisão positiva. Ainda assim, a
natureza dos investimentos teria que ser institucional e estes concretizados através
das respectivas tutelas.
Perante
tal cenário e no contexto actual de globalização (onde se incluem
significativas contenções orçamentais), não parece verosímil convencer a opinião pública (através
dos seus representantes parlamentares) a aceitar, de
bom grado, que o Estado investisse uma parte das receitas dos contribuintes a
favor de projectos industriais de duvidosa viabilidade, a
pretexto de criação de capacidade nacional (a
qualquer custo) limitada de apoio às FAs,
sobretudo se essa oferta já existir nos espaços económicos em que Portugal se
insere e com maiores vantagens. Se noutros países a dimensão das frotas
militares operadas pode constituir massa crítica que sustente uma actividade
de MRO nacional, sendo as FAs um "motor" desta indústria, o mesmo não é aplicável
em Portugal, nas actuais circunstâncias (salvo raras excepções).
Esta
situação constitui um factor limitativo no estatuto da OGMA. Uma solução
alternativa para ultrapassar
o problema passa por remover essa restrição do seu estatuto, permitindo àquela
a livre iniciativa e esperar que o Estado português estabeleça, casuisticamente,
por protocolos de interesse mútuo, as formas de financiamento perante
iniciativas de carácter eminentemente estratégico, cuja capacidade é necessário
deter a qualquer custo.
Esta
medida teria que ser eventualmente
secundada por outra de carácter mais profundo. A OGMA teria
que actuar fora do grupo das empresas portuguesas consideradas de defesa e,
assim, deixar de depender da actual tutela. No entanto, do ponto de vista estratégico-militar,
a OGMA seria sempre considerada de interesse eminentemente estratégico,
constituindo um dos componentes do Poder Aéreo Nacional e poder ser colocada sob a
alçada da Defesa Nacional, em situação de crise.
Liberta
de obrigações institucionais e fora da tutela da Defesa, a OGMA estaria em
condições de exercer uma actividade empresarial de iniciativa livre e privada (ou
participada pelo Estado ou sob qualquer outra forma que permitisse a livre
iniciativa).
A eventual absorção da MRO da TAP pela OGMA e a variedade da oferta disponível,
permitiria consolidar um pólo industrial de MRO de livre iniciativa, ainda que
o mercado se caracterize por um excesso de oferta (sobretudo no sector em que a
MRO da TAP se exerce).
Tendo
como pressuposto a referida fusão, este
pólo (eventualmente denominado de OGMA - Indústria e Serviços de Aeronáutica
de Portugal, SA, sugerindo-se a manutenção da actual designação e
acrescentando o termo Serviços, mas ampliando a abrangência) actuaria como
"holding" para um conjunto de unidades estratégicas de negócio
(Strategic Business Units - SBUs), resultantes da cisão e separação do conjunto formado pela actual OGMA
e estrutura de MRO da TAP (e, eventualmente, outras pequenas empresas), em
diferentes entidades produtivas e geradoras de resultados.
Em
termos nacionais um tal pólo não teria qualquer viabilidade, pelo que a sua
existência só faz sentido num quadro global de internacionalização. Dada a
actual conjuntura internacional, a sua sobrevivência como independente,
dificilmente, seria concebível, sugerindo-se, desde já, uma qualquer forma de
consolidação com entidades congéneres de maior relevo nesta actividade.
Nestes termos, a criação da "holding" OGMA, teria que ser
diferenciadamente estruturada para uma futura privatização das suas SBUs
constituintes, de modo a permitir livre e
independentemente futuras parcerias ou outras soluções empresariais.
À
partida são facilmente identificáveis sete SBUs, que pelas suas
especificidades, campo de aplicação, relações predominantes e características
de negócio, teriam potencialidades para sobreviver como independentes entre si,
porém, ligadas pela "holding" OGMA ou participadas por empresas
estrangeiras.
Embora
as diferentes SBUs pudessem vir a partilhar recursos, numa perspectiva
competitiva de trocas comerciais entre si, a sua característica principal, para
além da especificidade de cada actividade, deveria assentar nas verdadeiras
autonomias administrativa e financeira que deveriam possuir. De igual forma, as aquisições específicas
deveriam ser da
inteira responsabilidade de cada SBU, podendo, no entanto, as aquisições
comuns, poder processar-se de modo concertado, através da "holding"
(tirando partido do maior poder negocial inerente a grandes aquisições).
A
importância do conceito de "holding" assenta nas vantagens inerentes
a uma oferta diversificada de serviços de manutenção, através dos quais se
possa apoiar as aeronaves em todos os seus sistemas e valências, numa perspectiva de serviço
total.
O
conceito de geração de receitas para o auto-financiamento de cada SBU é
fundamental e será determinante para a viabilidade de cada uma delas, opondo-se
ao tradicional conceito de centro de custos aplicável a algumas áreas.
Assim,
a partir das tradicionais valências exercidas pela OGMA (Fabricação
Aeronáutica, Manutenção de Aeronaves, de Motores e de Componentes),
acrescentando-lhe a valência de Engenharia e segmentando a Manutenção de
Aeronaves, será possível identificarem-se as seguintes SBUs:
OGMA
- Aviação de grande porte
Esta
SBU resultaria da integração da MRO da TAP, no que respeita a aeronaves de
grandes dimensões (Boeing e Airbus). Compreenderia, basicamente, as acções de
manutenção de linha (embora a TAP devesse manter esta capacidade), a manutenção
profunda através da execução dos checks A a D, modificações e introdução
de melhoramentos (cumprimento de SBs). Esta SBU estaria primariamente
vocacionada para apoio de MRO à aviação comercial para as grandes
transportadoras.
OGMA
- Aviação regional
Esta
SBU compreenderia, basicamente, as acções de manutenção de linha, a manutenção
profunda através da execução dos checks A a D, modificações e introdução
de melhoramentos (cumprimento de SBs). Esta SBU estaria primariamente
vocacionada para apoio de MRO à aviação comercial para os operadores
regionais, integrando actividade parcial e total (conceito de "one stop
shop"). Destinar-se-ia a dar continuidade à mais recente actividade de MRO
iniciada na OGMA, abrangendo as aeronaves ERJ-145/ERJ-135 e outras a identificar.
OGMA
- Aviação militar
Esta
SBU compreenderia, basicamente, as acções de manutenção de linha da frente,
a manutenção profunda através da execução dos programas de manutenção
especificados, quer pelos fabricantes quer pelos utilizadores, modificações e
introdução de melhoramentos (cumprimento de SBs). Esta SBU estaria
primariamente vocacionada para apoio de MRO à aviação militar para as FAs,
integrando actividade parcial e total (conceito de "one stop shop").
Destinar-se-ia a dar continuidade à MRO realizada na OGMA para a FAP e outras
FAs, abrangendo as aeronaves Lockheed C-130 e P3-P, CASA C212, helicópteros e
outras. Esta SBU deveria posicionar-se de modo a tirar partido da tendência
generalizada que se vem verificando, em que as FAs europeias optam em
subcontratar a manutenção das suas frotas.
OGMA
- Engineering
Esta
SBU desempenharia uma actividade de Investigação e Desenvolvimento (I&D),
desenvolvendo estudos e projectos de aplicação aeronáutica. Estes projectos,
de elevado pendor conceptual, poderiam ser vendidos a terceiros ou executados
por algumas das outras SBUs. Esta SBU compreenderia, basicamente, as acções
actualmente realizadas de desenvolvimento de programas, levadas a cabo pela
actual Divisão de Engenharia e Programas (DEP) da OGMA.
Esta
SBU deveria protagonizar todos os projectos inovadores, explorando programas de
"retrofiting", "upgrades", modificações, integração de
equipamentos e sistemas, numa escala crescente de concepção e modificação
aeronáutica, suportada e apoiada por entidades congéneres, universidades e
laboratórios, nacionais e internacionais.
Nesta
perspectiva e a título de exemplo, o desenvolvimento de projectos de conversão de aeronaves de
passageiros em cargueiros, poderia abrir boas possibilidades, face ao número de
aeronaves de âmbito regional, turbopropulsionadas e cujo envelhecimento para o
transporte de passageiros estão prestes a atingir. A extensão de vida útil
dessas aeronaves e a sua conversão, num cenário de aumento crescente das operações
de transporte de carga aérea, poderá ser bastante interessante.
Com
semelhante interesse, outros projectos poderão apresentar-se como fortes
candidatos a viabilizar este negócio. No entanto, actualmente, a OGMA está
longe de deter a capacidade de engenharia necessária e suficiente para manter
aquela actividade, pelo que o esforço necessário para viabilizar esta SBU
afigura-se enorme.
OGMA
- Componentes de aviação
Esta
SBU compreenderia as acções de manutenção profunda de componentes de avião,
através da execução de reparações e "overhaul", excluíndo os
motores e APUs, que pela especificidade própria deveriam constituir uma SBU
independente.
Pela
variedade de componentes e de aplicações, e pelas redundâncias existentes
tanto na OGMA como na TAP, esta SBU teria que ser estruturada de modo a eliminar
linhas de produto de rentabilidade negativa, de optimizar outras de viabilidade
positiva, eliminando redundâncias e fomentando a intervenção por lotes.
Pela
variedade de equipamentos instalados em diferentes locais, esta SBU teria que
desenvolver a sua actividade em torno de dois pólos: em Alverca e na Portela.
OGMA
- Motores
Esta
SBU compreenderia as acções de manutenção profunda de motores de avião e
APUs (Auxiliary Power Units), através da execução de reparações de
componentes individuais e "overhaul" dos conjuntos.
Pela
variedade de componentes individuais e pelas redundâncias existentes tanto na
OGMA como na TAP, esta SBU teria que ser estruturada de modo a eliminar linhas
de produto de rentabilidade negativa, de optimizar outras de viabilidade
positiva, eliminando redundâncias e fomentando a intervenção por lotes.
Esta
SBU, à semelhança da SBU OGMA - Componentes de Aviação, teria que
desenvolver a sua actividade em torno de dois pólos: em Alverca e na Portela,
tirando partido das infra-estruturas já existentes, sobretudo dos bancos de
ensaio de motores, que dificilmente seriam transferíveis.
OGMA
- Fabricação
Esta
SBU daria continuidade à actividade que vem sendo realizada pela Direcção de
Fabricação (DFB) na OGMA. Uma vez que esta Direcção já beneficia de um regime
de relativa autonomia, gerindo os seus próprios destinos e actividade,
apresenta-se como a transformação em SBU mais fácil e óbvia.
Esta
SBU continuaria a ter como objectivo principal, a manufactura e a execução de
construções mecânicas, numa escala crescente, de secções de aeronaves até
à aeronave completa, do ponto de vista de célula. A concepção (inexistente
ou bastante incipiente,
por agora) poderá ser uma opção própria ou ser importada de outra SBU (por
exemplo, da OGMA - Engineering).
Esta
SBU defrontar-se-ia, no entanto, com a necessidade de envolvimento nacional em
projectos de produção de novas aeronaves, na medida em que a intervenção na
manufactura é proporcional ao capital investido nesses projectos, na base duma
partilha de risco de produção e absorção dessas aeronaves.
O
envolvimento da OGMA na fabricação de secções de aeronaves só se manterá
enquanto os custos de produção em Portugal o permitirem, sendo o factor
decisivo, o custo da mão-de-obra, através de baixos salários. Esta prática
verifica-se relativamente a todos os países subdesenvolvidos ou em vias de
desenvolvimento, por parte das multinacionais dos países tecnologicamente
avançados. A alternativa
passa pela participação no desenvolvimento, no envolvimento na produção e na
partilha dos riscos que tais projectos implicam, no âmbito de consórcios
multinacionais.
Pelo
papel que a OGMA poderá desempenhar no seio da comunidade de aviação regional
e pela desvantagem que representa a sua localização geográfica, em termos
europeus, considera-se fundamental a presença de uma agência de promoção e
contactos da "holding" OGMA, próximo do centro da Europa, bem como a
existência de instalações de apoio às frotas, considerando, por isso,
essencial a presença da SBU OGMA - Aviação Regional, através dum
"hangar", num aeroporto localizado, preferencialmente, algures segundo
um eixo Estrasburgo - Luxemburgo -
Bruxelas ou outro equivalente.
Estas instalações, descentralizadas de Alverca, seriam fundamentais, em termos de resposta rápida a frotas europeias, dado que, sendo Portugal um país periférico, torna difíceis e onerosas as deslocações das aeronaves a Alverca (para além de todos os inconvenientes logísticos criados aos operadores). Considerações semelhantes, sugerem a possibilidade de implementação de infra-estruturas no novo aeroporto internacional de Lisboa, nomeadamente, para apoio às aeronaves do segmento regional, que em número crescente, escalarão o nosso país. (continua)
Agosto 1999
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NOTA
Desde a realização deste estudo (Agosto 1999) até à data actual, ocorreram na OGMA, SA importantes alterações organizativas e estratégicas que, a par da modificação das circunstâncias condicionantes, terão conduzido a empresa a uma situação não necessariamente identificável com as premissas deste estudo. Esse facto, poderá justificar uma significativa divergência entre as conclusões do mesmo e as acções em curso para o sector.
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