OBTENÇÃO DE SOBRESSALENTES (A 19ª de 30 importantes etapas) A Obtenção de Sobressalentes pode tornar-se a etapa mais problemática de todo o ciclo de intervenção nos motores |
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A
obtenção de sobressalentes é uma etapa crucial na actividade de manutenção
aeronáutica (como o é em qualquer outra actividade logística). O sucesso e a
"performance" da empresa reparadora está indelevelmente ligado à
forma como aquela administra esta função.
As
políticas de aquisição de peças (Gestão de "Stocks") variam
consoante as empresas e a sua saúde financeira, de acordo com os seus
decisores, de acordo com a natureza dos contratos que estabelecem e, ainda, de
acordo com os agentes do mercado em que se movimenta.
De
qualquer forma, as políticas de aquisição de "stocks" variam entre
duas filosofias extremas, e que para algumas actividades funcionam na perfeição
e são excepcionalmente adequadas.
Existe
um princípio de adquirir apenas perante a necessidade (na linguagem anglo-saxónica
designada por "Just in Time"). Este princípio apresenta a vantagem óbvia
de eliminar a necessidade de imobilização de capitais em mercadoria
armazenada, por parte do reparador, contudo, só funciona perante um mercado de
produção e distribuição de peças apto para esse efeito. Implica a existência
de grandes armazenistas e revendedores, capazes de efectuar grandes quantidades
de aquisições a preços vantajosos, mercê de descontos de quantidade que lhe
advêm do poder negocial que exercem sobre os fabricantes, e que imobilizam a
mercadoria na vez dos reparadores. Estes, ao adquirirem aos revendedores, no
momento da sua necessidade, pagam o preço da mercadoria e uma taxa adicional
(devida aos encargos suportados pelos revendedores) que, no entanto, se torna
mais vantajoso, apesar disso.
No
outro extremo das políticas de aquisição de "stocks" existe o princípio
de se adquirir o máximo de mercadoria (na linguagem anglo-saxónica designada
por "Just in Case"). Este princípio, apesar de permitir alguma
tranquilidade por manter um "stock" confortável e capaz de responder
à maioria das necessidades de peças, apresenta o grande inconveniente de
implicar grandes investimentos iniciais destinados a permanecerem imobilizados
durante longos períodos, o que significa enormes encargos e perda de receitas
Assim,
as empresas reparadoras implementam políticas intermédias consoante as
circunstâncias e vicissitudes a que estão expostas.
Por
outro lado quer os fabricantes (designados na linguagem
anglo-saxónica por "vendors") quer alguns revendedores (designados na linguagem
anglo-saxónica por "dealers") apresentam, para determinados
componentes prazos de entrega incompatíveis com as necessidades dos
reparadores. Nestas circunstâncias, muitas vezes desdobram-se em esforços para
conseguirem componentes equivalentes ou iguais, em prazos mais curtos, mas, em
contrapartida, bastante mais caros (num evidente aproveitamento comercial).
Existe
um procedimento internacional, usado pelos operadores aéreos quando se
encontram em dificuldades (muitas vezes com aeronaves fora de serviço) por
falta de peças, que funciona como código de inter-ajuda, em que todos se
comprometem a transportar a peça em falta desde a origem até ao destino no
mais curto lapso de tempo. Esse código designa-se por "Situação
AOG" (da designação anglo-saxónica "Aircraft On Ground"). A
sua invocação deve ser criteriosa sob pena de descrédito. De igual forma, o não
cumprimento com o preceituado, pode levar a sanções internacionais no seio da
comunidade de operadores aéreos. Numa generalização (algo abusiva) deste
conceito, também a distribuição e revenda de sobressalentes utiliza o mesmo código
para identificar qualquer situação de urgência, mesmo que não seja para repor
em serviço uma aeronave, mas sim reduzir ou cumprir um prazo de entrega dum
produto aeronáutico, ainda que em manutenção programada.
Assim,
algumas aquisições, por parte dos reparadores, são efectuadas em "Situação
AOG", o que implica uma sobretaxa bastante elevada, onerando
significativamente, o preço do serviço.
A
manufactura de componentes de substituição (sobressalentes) está
maioritariamente cometida aos fabricantes dos motores (na linguagem anglo-saxónica
são designados por OEM derivado da expressão "Original Equipment
Manufacturers") em que esses componentes estão instalados, se se trata de
peças específicas, ou a outros fabricantes especializados, se se trata de peças
de uso geral (como por exemplo: parafusos, acessórios de tubagem, vedantes,
etc.).
O
fabrico deste componentes é controlado e fiscalizado sob a égide das
autoridades aeronáuticas locais ou jurisdicionais. Devido ao facto de a
actividade aeronáutica norte-americana dominar largamente a mesma actividade em
qualquer outra região do mundo, a sua regulamentação é normalmente aceite
por todos os governos. A autoridade aeronáutica norte-americana - a FAA -
permite que outras entidades, que embora não sejam os projectistas nem os
fabricantes de determinados componentes, os possam, no entanto, fabricar (sob
licença, à revelia do OEM com e sem os planos originais de fabrico; através
da chamada "engenharia inversa", ou de qualquer outro modo) desde que
cumpram a regulamentação específica e seja demonstrada a adequabilidade, a
funcionalidade e, sobretudo, assegurado o mesmo nível de segurança (sendo, no
entanto, a sua fiabilidade relegada para um plano secundário).
Estes
fabricantes, que desenvolvem a sua actividade à luz desta regulamentação
específica são designados PMA (da expressão anglo-saxónica "Parts
Manufacturers Approval" a que equivale o estatuto atribuído pela FAA) e
estão autorizados a produzir os mesmos componentes com o mesmo Número de Catálogo,
porém, integrando neste número um sufixo identificativo da sua proveniência
de fabrico e autorizado pela FAA. Assim, qualquer peça fabricada por uma
entidade que não a original, será sempre identificada por esse sufixo que
integra o Número de Catálogo. Todavia, as peças fabricadas segundo este
estatuto só poderão ser instaladas em motores ou produtos aeronáuticos
fabricados ao abrigo duma autorização de fabrico emitida pela FAA, designada
"Type Certificate". Segundo esta política, num motor fabricado
segundo uma autorização europeia não poderão ser instaladas peças com esta
proveniência. Por este motivo, as entidades fabricantes segundo o estatuto de
PMA, apenas fabricam peças correspondentes a motores fabricados sob um
certificado emitido pela FAA (a que na prática correspondem motores de origem
norte-americana).
Nesta
como em qualquer outra actividade de fabrico existe sempre a concorrência de
componentes produzidos em contrafacção. Para o comprador que adquire
componentes no circuito de distribuição e não os obtém a partir dos
fabricantes originais (como acontece em muitas situações) é maior a exposição
a artigos contrafaccionados.
Quer
por imposição da regulamentação aeronáutica quer pelos princípios da máxima
segurança inerentes às acções de manutenção, qualquer reparador pugna para
incorporar peças seguras e que inspirem confiança. Assim, as condições de
aquisição internacionais e de acordo com a regulamentação aeronáutica, impõem
que todos os componentes vendidos como novos, reparados ou usados, se devem
fazer acompanhar por um certificado de conformidade, a fim de se minimizar a
possibilidade de incorporar componentes contrafaccionados ou de origem duvidosa
(em termos aeronáuticos o problema da contrafacção ignora a concorrência
desleal, do foro criminal, preocupando-se apenas com a questão de segurança).
É de salientar que a venda de peças de origem duvidosa não é proibida,
todavia, o individuo que autorizar a sua instalação em aeronaves, incorre em
processo-crime, por negligência, em caso de acidente e de haver lugar a
responsabilidade civil.
Este
certificado, rubricado por um representante duma autoridade aeronáutica, para
além de atestar a identificação do componente, deve identificar a sua origem,
as operações a que foi submetido (novo, reparado, reconstruído
("remanufactured" ou "overhauled" na linguagem anglo-saxónica)
ou usado) e, se for o caso, o número de horas e ciclos que já acumulou desde
que funcionou pela primeira vez. Este certificado e outra informação anexa
constituem a documentação do componente. Segundo as autoridades aeronáuticas
norte-americanas (FAA), este certificado designa-se por "Form 8130-3"
e segundo as europeias (JAA) designa-se por "Form One". Quando se
adquirem componentes aeronáuticos devem sempre exigir-se este tipo de
certificados.
A
FAA atribui, ainda, um estatuto para os reparadores de componentes, semelhante
ao de PMA, mas em vez de controlar o fabrico de peças supervisiona a sua reparação,
na maioria dos casos por processos alheios aos fabricantes originais. Este
estatuto designa-se por "DER" (da expressão anglo-saxónica
"Designated Engineering Repesentative" a que equivale o estatuto
atribuído pela FAA, existindo, ainda, outros estatutos semelhantes). Segundo
este estatuto a empresa reparadora poderá propor processos alternativos de
reparação de componentes e comercializá-los no mercado de peças.
O
mecanismo usado baseia-se na capacidade de investigação e desenvolvimento da
empresa, nas tecnologias que domina e na capacidade de reparação em massa que
pode alcançar. Após o desenvolvimento de um novo esquema de reparação e
verificada a sua adequabilidade, pode propor a sua homologação através de um
especialista, denominado "DER" e estatuído de competências para
verificação da consistência da proposta, pela FAA. Uma vez ultrapassada esta
etapa, a proposta de projecto de nova reparação é submetida, formalmente, ao
gabinete técnico da FAA, já com o parecer favorável do "DER". O
estatuto de DER é atribuído pela FAA a técnicos detentores de elevada experiência
e competência e dificilmente atribui este estatuto a cidadãos não
norte-americanos (devido à frequência com que são convocados aos
departamentos da FAA, é fundamental que residam nos EUA).
Sempre
que se adquire material aeronáutico há que ter muita atenção a esta
documentação por forma a garantir que se está a incorporar, no decurso dum
programa de manutenção, componentes fidedignos e que garantam a máxima
segurança para as pessoas e bens que serão transportados pelas aeronaves
equipadas com tais motores.
Tendo
presente o mercado de venda dos componentes aeronáuticos, o reparador deve
manter um política de gestão de "stocks" que evite a rotura de existências.
Com base na experiência acumulada, é possível estimarem-se parâmetros de
gestão de "stocks" tais como: o "stock" mínimo, o ponto de
encomenda, o prazo médio de entrega, a taxa de consumo média e por tipo de
anomalia, a quantidade mínima de fornecimento, etc., que permitirá colocar em
aquisição, de forma contínua, os componentes a incorporar e os componentes
que não sendo iguais são, no entanto, equivalentes (designados alternativos),
podendo ser, sob determinadas condições de configuração usados
indistintamente.
Um
aspecto a que a gestão de "stocks" tem que prestar particular atenção
é ao fenómeno da obsolescência de componentes. De tempos em tempos, na
maioria das situações devido a novos desenvolvimentos, outras vezes por mera
questão comercial, alguns componentes deixam de ser fabricados com o Número de
Catálogo inicial. Em sua substituição surgem outros componentes com diferente
Número de Catálogo que, por vezes, obrigam à modificação ou substituição
de outros componentes que funcionam em conjunto. Noutras situações é
concedida ao reparador a possibilidade de modificar um determinado componente e
reconfigurá-lo com um Número de Catálogo diferente.
Assim,
é necessário integrar toda a informação veiculada pelos fabricantes através
dos novos Catálogos de Peças, Boletins de Serviço e tempo de imobilização
de componentes em armazém, para se identificarem todos aqueles que se tornam
obsoletos, a fim de beneficiar dos curtos períodos de tempo que os fabricantes
concedem para a sua troca isenta de encargos (se adquiridos a estes).
Todavia,
há que distinguir obsolescência técnica (deixou de estar apto para uso aeronáutico)
de obsolescência comercial (não disponível no mercado por descontinuação de
fabrico). Esta última situação pode obrigar à troca de uma quantidade apreciável
de componentes, se de um conjunto, com uma determinada configuração, um deles
se esgotar no mercado de peças.
A análise de um Catálogo de Peças implica o conhecimento de um conjunto de códigos que informam sobre a actual configuração quer do motor quer individualmente sobre cada componente.